Depois de mais de seis mil anos de história do homem na
terra, muitos defendem que o mundo continua em situação de atraso. As notícias
crescentes de violência, a manutenção do estado de guerras em vários pontos do
planeta, a enorme desigualdade social que alimenta a miséria e a ignorância são
alguns indicadores que supostamente justificariam a defesa deste ponto de
vista. Como a mídia divulga preponderantemente notícias negativas, a visão
global tende a direcionar exatamente para esta conclusão. Outra realidade,
porém, semelhante a espiritual, acontece sem que se dê a devida promoção
pública. O bem nunca esteve tão em moda. Religiões, ONGs, grupos humanitários,
entre outros movimentos, esforçam-se em melhorar a condição de vida das pessoas
e de si próprias. Imprescindível saber que a transformação do mundo somente
ocorrerá mediante a transformação de cada um, a transformação interior.
O núcleo convergente para onde se dirigem todas as ações do
Espiritismo é a transformação moral do ser humano. Transformação que necessita
ser entendida como uma construção gradativa de valores, uma proposta de
plenitude, um processo libertador da consciência e de formação do homem de bem.
Não pode ser entendida apenas como contenção de impulsos inferiores, mas como a
criação de condicionamentos novos e elevados. A reforma interior é tomar
consciência do "si mesmo", da "perfeição latente" à qual
nos destinamos. É um ato de auto-educação que não ocorre sem dores, no entanto,
não deve ser encarada como um martírio - que é uma forma de autopunição -, mas
como um processo de conscientização. Crescer não significa sofrer como resgate,
representa possibilidade de educação para propiciar a libertação. Não é a
intensidade da dor que educa e sim o esforço de aprender amenizá-las. Assim,
transformação interior deve ser considerada como melhoria de nós mesmos e não a
anulação de uma parte de nós considerada ruim. É uma proposta de
aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo maior é a felicidade.
A transformação interior é um trabalho processual e deve ser
entendida como a habilidade de lidar com as características da personalidade
melhorando os traços que compõem suas formas de manifestação como caráter,
temperamento, valores, vícios, hábitos e desejos. Uma ética de
autotransformação implica em ter postura aprendiz, observação de si mesmo,
renúncia, aceitação da sombra, autoperdão, cumplicidade com a decisão de
crescer, vigilância, oração, trabalho, tolerância, amor incondicional,
socialização e caridade. É comum ouvirmos no meio espírita a necessidade de
"matar o homem velho", "extinguir as sombras" ou
"vencer o passado". Tais expressões são equivocadas, pois não
eliminamos nada do que fomos um dia, transformamos para melhor. Na prática, o
caminho a ser seguido é o de harmonizar-se com a sombra e de conquista do
passado, pois transformação interior nada mais é do que dar nova direção aos
valores que já possuímos e corrigir deficiências cujas raízes ignoramos ou não
temos motivação para mudar. Não pode ser entendida como a destruição de algo
para a construção de algo novo, dentro de padrões preestabelecidos de fora para
dentro, mas, sobretudo, como a aquisição da consciência de si para aprender a
ser, a existir, a se realizar como criatura rica de sentidos e plena de
utilidade a vida. Imperfeições são nosso patrimônio. Serão transformadas,
jamais exterminadas.
Muitas pessoas possuem indevidamente a idéia de que a
transformação interior equivale a santidade instantânea. Não é. Já está
demonstrado pela ciência que a natureza não dá saltos e, portanto, devemos nos
alegrar com as conquistas paulatinas e permanentes. A impossibilidade da rápida
espiritualização pode descambar num outro tipo de santidade, a de adorno, da
aparência, da superficialidade, o que é extremamente nocivo. A dimensão
empresarial, por exemplo, viveu recentemente uma febre da mudança abrupta
através da reengenharia e o resultado foi a quase extinção de muitas
organizações que adotaram esta prática. A filosofia japonesa do Kaizen, ou seja,
de melhorias contínuas parece ser a mais recomendável, tanto para o mundo
organizacional como para o nível dos indivíduos. A proposta espírita igualmente
é de aperfeiçoamento permanente e não de perfeição imediata. O objetivo é
sermos melhor e não os melhores.
A escritora Louise Hay lembra apropriadamente que
"quando realmente amamos, aceitamos e aprovamos a nós mesmo exatamente
como somos tudo na vida funciona". E é verdade. O primeiro passo para o
autoburilamento é o desafio de encontrar-se consigo e gostar-se do jeito que é,
na perspectiva de mudança continuada. Allan Kardec também advertiu que o
verdadeiro espírita não é aquele que já está pronto, porém o que se esforça
diariamente no domínio das suas tendências inferiores.
Deus permite um novo recomeço todos os dias, todos os
instantes. Eis a grande dádiva a ser aproveitada. Se cair, levantar, sacodir a
poeira e dar a volta por cima. Chico Xavier costumava dizer que "embora
ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar
agora e fazer um novo fim." Jesus quando curava os doentes alertava que
daquele momento em diante deveria se buscar a ser uma nova pessoa quando
aconselhava "vais e não peques mais".
O esforço de mudança ganha corpo a cada dia nas pessoas no
mundo inteiro. É claro que passaremos por situações graves que devem ser
compreendidas como sintomas do expurgo do mal em agonia. A fase de regeneração
planetária, pouco a pouco, avança, enquanto a de testes e resgates declina. Um
novo tempo surge. Um novo homem começa a nascer. Já vivemos timidamente a
maioridades das idéias espíritas na terra que não deve ser confundida com
caracterização emblemática, mas como postura de entendimento e condução da
vida. Não haverá força que consiga impedir o crescimento do homem neste
planeta. A era do espírito lança seus primeiros raios no horizonte e se fará
dia na consciência de todos num futuro não muito distante.
Por Carlos Pereira (baseado no livro Reforma Íntima Sem Martírios, de
autoria do espírito Ermance Dufaux, pela psicografia de Wanderley Soares de
Oliveira, Editora Inede)